sábado, 13 de junho de 2009

Estrutura do Sermão

O sermão é dividido por Antônio Vieira de forma temática compondo ao todo dez partes. A primeira parte traz a apresentação do tema que gera o questionamento principal, o autor ainda incita os ouvintes por meio de diversas perguntas retóricas que são respondidas ao longo da pregação. Já a parte subseqüente expõe o plano que o pregador pretende executar na discussão do tema, é o intróito do sermão.
Na terceira parte tem-se o principio do desenvolvimento da longa argumentação que busca responder a questão: Porque a semente, isto é, a palavra de Deus, tão pouco frutifica?
Em resposta, Vieira apresenta o esquema triádico da comunicação, afirmando por meio de argumentação lógica que deve haver uma falha em algum dos elementos da comunicação. Elimina desta possível falha as hipóteses de ser culpado o receptor, ou seja, o ouvinte e de ser a culpada a mensagem por ser essa a palavra de Deus. Sugere que poderia ser causa da não semeadura da palavra divina o emissor, isto é, o pregador, trazendo então sua teoria sobre a arte de pregar.
Na quarta parte apresenta cinco circunstâncias que poderiam vir a ser motivo desta possível falha do pregador no processo de comunicação do qual resultaria a não frutificação da palavra de Deus. São tais circunstâncias: a pessoa, a ciência, a matéria, o estilo e a voz.
Na análise da primeira circunstância que é a pessoa do pregador, este deve ser um exemplo de vida, a concretização de suas palavras, pois “palavras sem obras são tiros sem bala” [1]. Diz que as “Palavras ouvem-se, as obras vêem-se”[2], o quê remete a valorização e hipertrofia dos sentidos, em principal da visão, a uma característica geral do movimento barroco. Entretanto, a esta exposição apresenta um contra exemplo, Jonas, figura bíblica iracunda, impaciente e desejosa de ver subvertida a Nínive, que apesar de fugitivo de Deus foi um grande pregador.
Na quinta parte analisa o estilo do pregador, demonstrando sua forte influência conceptista ao dizer que “o estilo há de ser muito fácil e muito natural” [3], iguala a arte de pregar a de semear que é a “arte que tem mais de natureza que de arte”[4]. Apresenta ainda sua contrariedade ao cultismo ao criticar os pregadores que fazem do sermão um xadrez de palavras dizendo que o estilo culto é negro, boçal e muito cerrado.
Iguala, por meio de metáfora, o estilo da pregação as estrelas que são muito claras e distintas e nem por isso são menos, pelo contrário, ocupam posição elevada e são criadas por Deus. Traz ao final, como antítese, os exemplos de grandes pregadores cultos (Nazianzeno, Ambrósio, Crisólogo, Leão, Clemente Alexandrino, Tertuliano) e de estilo escuro e duro (Basílio de Selêucia, Zeno Veronense) derrubando a tese de que seria esta a circunstância falha na comunicação.
Vieira defendia o conceptismo, mas como homem barroco, dividido, utilizava-se de ingredientes cultistas a serviço de uma agudeza conceptual.
Chega à parte seis apresentando a matéria do sermão, sendo que este deve ter “um só assunto e uma só matéria”[5]. A partir do versículo tema ocorre o desenvolvimento do circuito metafórico que afirma que o sermão deve ser como uma árvore, ter raízes fortes e sólidas no Evangelho; ter um só tronco por tratar de um só assunto e matéria; ter diversos ramos que são os diversos discursos nascidos da mesma matéria e nela continuados; ter folhas a cobrir os ramos, pois os discursos devem ser ornados e vestidos pelas palavras, demonstrando outra característica típica do movimento barroco que é o ornamento do discurso; ter varas que são a repressão dos vícios; ter flores que são as sentenças; e por fim, ter frutos que são a finalidade para o qual há de se ordenar o sermão.
Entretanto, conclui afirmando: “Mas nem por isso entendo que seja esta a verdadeira causa do que busco”[6].
A sétima parte da pregação discorre sobre a ciência do pregador, este deve pregar o que é seu, deve colher e semear o seu próprio trabalho, comer o pão de seu próprio suor. Dá o exemplo de uma passagem bíblica na qual descem do céu línguas do Espírito Santo que se colocam sobre a cabeça dos apóstolos e não em suas bocas. Ora, isto ocorre porque os pregadores devem pregar não só o que sai da boca, mas o que sai da cabeça. Novamente, nega a hipótese proposta através de um exemplo, apresenta Batista que pregou aquilo que tinha pregado Isaias.
Na oitava parte trata da voz do pregador. Revela que antigamente se pregava por meio de brados e hoje se prega conversando, mas que o conversar não é melhor que o bradar, pois em algumas situações “puderam mais os brados que a razão”[7]. Conclui não ser a voz motivo do sermão não frutificar, traz como exemplo Moisés que tinha a voz fraca, língua e boca embaraçadas e mesmo assim foi um grande pregador.
Na penúltima parte esclarece que se vê tão pouco fruto porque as palavras dos pregadores não são as palavras de Deus, são palavras divinas, porém utilizadas em sentido diferente daquele utilizado pelo Criador. Palavras que deturpadas em sentido distinto do correto se tornam palavras do demônio.
Por fim, diz que “há de pregar com fama e com infâmia”[8], isto é, deve-se pregar o que se convém, mesmo não sendo o mais agradável aos ouvintes e trazendo descrédito à fama do pregador. O médico não atende o gosto do enfermo ao curá-lo assim como o gosto dos ouvintes não deve ser atendido para que sejam salvos, pois “as pedras são aquelas que ouvem a pregação com gosto”[9]. O frutificar não se liga ao gostar de modo que se deve pretender com o sermão não que os ouvintes saiam contentes com o pregador, mas sim que saiam descontentes de si. Deve-se contentar a Deus, e não aos homens.


[1] VIEIRA, Antônio, Sermão da Sexagésima, in: SILVEIRA, F. M. . Literatura barroca. , São Paulo: Global, 1987. p.65
[2] Idem; ibidem; p. 66
[3] Idem; ibidem; p. 68
[4] Idem; ibidem; loc. cit.
[5] Idem; ibidem; p. 71
[6] Idem; ibidem; p. 72
[7] Idem; ibidem; p. 75
[8] Idem; ibidem; p. 81
[9] Idem; ibidem; loc. cit.